(...) Os japoneses têm um dos sistemas educacionais mais rígidos do mundo. Planejado com meticulosa previsão para produzir uma força de trabalho disciplinada e socialmente coesa, ela merece boa parte de crédito pelo milagre econômico japonês do pós guerra.
A alfabetização quase universal dos japoneses, seu alto nível de habilidade matemática e a porcentagem pequena de alunos que abandonam a escola são invejados no mundo inteiro.
Mas o custo de tudo isso é alto. Desde a mais tenra infância os alunos japoneses são instruídos em relação ao tipo de mala que devem levar à escola, à altura a que devem levantar as mãos em sala de aula, ao comprimento dos cabelos, à hora que devem se levantar, mesmo durante às férias.
Os anos da adolescência são vividos à sombra do infame “inferno dos exames”, quando os alunos estudam até 18 horas por dia na escola, em cursinhos particulares e em casa, no esforço de conquistar vagas numa universidade de prestígio. O sistema inteiro incentiva as pessoas a desenvolver boa memória e reservas de resistência. A prática de fazer perguntas ou formar opiniões próprias é vista como perturbadora da ordem e desnecessária.
Esse rolo compressor que é passado sobre a individualidade de cada um deixa pouco lugar para a criatividade, e recentemente até mesmo burocratas nos Ministérios do Comércio e Finanças começaram a se indagar se o Japão não precisará de um sistema educacional mais aberto na próxima etapa de seu desenvolvimento econômico. Mas o Ministério da Educação, provavelmente o mais conservador de todos os braços do Estado, reluta em afrouxar seu controle sobre as crianças do país.
Este mês o Conselho de Educação de Kawasaki, ao sul de Tóquio, resolveu desafiar um dos instrumentos mais controvertidos utilizados pelo Ministério da Educação para controlar a população escolar. Cada aluno tem um arquivo secreto, ou “naishinsho”, no qual são registrados não apenas seu progresso nos estudos, mas também avaliações subjetivas sobre sua personalidade, obediência e ritmo de socialização.
Nem o próprio aluno nem seus pais jamais têm acesso a esse arquivo, que entretanto é crucial para a tomada de decisões sobre o progresso acadêmico do aluno, da escola primária para o segundo grau e para o colegial, terminando na universidade. [...]
“O aluno e sua família deveriam poder saber o que foi escrito a seu respeito”, disse Makoto Hirano, porta voz do conselho. “Assim, se acharem que alguma avaliação é injusta, podem discutir a questão com o professor.” [...]
Ao mesmo tempo em que surgia esta notícia de que alguém está desafiando o sistema, uma história mais deprimente sobre disciplina escolar também veio à tona. Três anos atrás, uma garota de 15 anos estava correndo para passar pelo portão da escola, no início do dia, quando um professor acionou o mecanismo e fechou os portões sobre ela.
Todos os alunos da escola sabiam que os portões eram fechados com pontualidade absoluta todos os dias e que quem ficasse de fora seria castigado pelo atraso. [...] A menina tentou se esgueirar pelo portão no momento em que estava sendo fechado, mas não conseguiu e acabou com o crânio esmagado.
Para muitas pessoas a tragédia ofereceu uma ilustração vívida da desumana rigidez do sistema educacional japonês. Na semana passada, um tribunal de Kobe julgou a ação do professor encarregado do portão “errônea” e condenou-o a um ano de prisão, com sursis (só precisará cumprir a sentença se cometer outro delito).
Mais controvertido ainda foi o fato de os juízes do tribunal não terem sequer expressado qualquer crítica ao rígido sistema disciplinar da escola.
(Artigo de Terry McCarthy, jornalista do Independent de Tóquio, publicado na Folha de São Paulo em 28/2/93. In, TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia da Educação. Atual: São Paulo, 1997.)
Questão:
- O sistema japonês, como descrito no texto, poderia ser aplicado no Brasil? Que consequências isso teria na educação, nos jovens e na sociedade? (Faça um comentário de 10 linhas)